Subfinanciamento da Filosofia no Concurso de projetos científicos - Reclamação e propostas

No passado dia 17 de dezembro, a Direção da Sociedade Portuguesa de Filosofia dirigiu à Presidência da FCT - Fundação para a Ciência e Tecnologia, com conhecimento para a tutela, uma tomada de posição sobre a insustentável condição de asfixia de financiamento a que tem sido sujeitada a área científica da Filosofia em Portugal.

Ex.ma Senhora Presidente do Conselho Diretivo da Fundação para a Ciência e a Tecnologia,

C/c Senhor Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,

C/c Senhor Presidente da Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto da Assembleia da República.

A FCT publicou no passado dia 30 de novembro, o Aviso de Abertura de Concurso (AAC) para submissão de candidaturas a projetos de I&D em todos os domínios científicos, com prazo de submissão entre os dias 8 de fevereiro de 2022 e 10 de março de 2022 (17 horas, de Lisboa). Na sequência de comunicação prévia, a 12 de novembro de 2020, há cerca de um ano, a Sociedade Portuguesa de Filosofia torna a apelar, em termos muito semelhantes, a uma reconsideração dos termos e orientações do presente e próximos concursos, dado a perceção reiterada de uma penalização da área científica por motivos que persistem, apesar de dados a conhecer no passado.

De novo, a área científica de Filosofia, Ética e Religião inclui, entre as subáreas, a designada por “História e Filosofia da Ciência e Tecnologia”, designação que associa, equivocamente, dois domínios – o da Filosofia das Ciências e o da História da Ciência e Tecnologia. Se a Filosofia das Ciências (com o devido respaldo na história da ciência) é um domínio de estudo da área científica da Filosofia, ao lado de muitos outros, esse não é, de todo, o caso da História da Ciência e Tecnologia, cuja pertinência respeita a todo e qualquer domínio científico. Sob esta associação entre um domínio eminentemente filosófico com outro que lhe é estranho, tem sido disputado e retirado financiamento vital a projetos de investigação fundamental em Filosofia, assim desviado para domínios como a História da Física, a História da Psiquiatria (como sucedeu no concurso de 2021) ou ainda a História da Museografia (como sucedeu no concurso de 2020). Em cada um dos dois últimos concursos apenas 3 grandes projetos foram financiados sendo disputável que sequer metade tivessem que ver com a área da Filosofia. Num quadro de escassez de recursos e de extrema competitividade, esta circunstância e a forma como tem perdurado é profundamente lesiva dos interesses da área científica.

Por outro lado, e paralelamente, em vez de atenuado, o mesmo equívoco tem sido agravado pela escolha da coordenação de painel de Filosofia e sua composição.  Como pudemos transmitir por ocasião da publicação dos resultados do concurso de 2019:

Verifica-se um equívoco científico injustificado integrando neste painel os projetos em “História e Filosofia da Ciência e Tecnologia”, que teve logo como consequência a atribuição da coordenação do painel a um historiador da ciência e não a um filósofo, como a designação do painel e a grande maioria de candidaturas submetidas fazia esperar. Esse viés introduz um outro: a maioria dos membros do painel trabalham em áreas e com metodologias afins às do Coordenador, ficando de fora quase toda a investigação fundamental em Filosofia e mesmo a investigação em História da Filosofia exterior à chamada “filosofia prática”. Lamentamos que esta situação, que já era visível e comentada no concurso anterior, não tenha sido corrigida e agora tenha sido acentuada.

Sublinhamos que a escassez da dotação orçamental para o presente concurso, pese embora ser geral, faz-se sentir com particular magnitude e perceção de injustiça na área científica da Filosofia, que se vê subtraída, com o equívoco apontado, de parte muito significativa da já escassíssima capacidade que se esperaria destinada a financiar projetos de investigação fundamental em Filosofia.

Completa este quadro de asfixia, a escassez ou inexistência de outras oportunidades de concurso para a área científica de Filosofia, além das edições do concurso para projetos em todos os domínios científicos, o que revela um quadro de desinvestimento nas Humanidades que urge inverter. 

Assim, sem prejuízo da boa nota que tomamos de melhorias que foram introduzidas nas edições de 2021 e 2022, designadamente com a introdução da modalidade de candidaturas a financiamento de projetos exploratórios e a regularidade certa dos avisos de abertura de candidaturas, vimos novamente –  a Direção e o Conselho Científico da Sociedade Portuguesa de Filosofia – solicitar à FCT a correção de aspetos cruciais para uma justa e gratificante participação da comunidade nacional de investigadores em filosofia, que não pode prescindir da equidade de tratamento nas condições tremendamente competitivas deste concurso:

  1. Garantir que exclusivamente investigação fundamental em Filosofia apresentada ao painel de Filosofia seja financiada pelos concursos;
  2. Configurar o painel de Filosofia de acordo com a área científica e autonomizando as subáreas que pertencem a outros domínios científicos, nomeadamente retirando a História da Ciência e da Tecnologia do painel de Filosofia, por exemplo incluindo essa investigação em cada área (tal como em Filosofia já está a História da Filosofia);
  3. Encontrar uma composição equilibrada no plano científico (e mesmo na origem nacional) da coordenação e do painel de avaliação;

Sem o cumprimento destes requisitos, a FCT persistirá em não tratar a área científica da Filosofia como uma área merecedora de financiamento em pé de igualdade com todas as outras.

Não podemos deixar de fazer notar que em comunicação por e-mail do dia 30 de novembro de 2020 obtivemos o reconhecimento da validade das preocupações transmitidas bem como o compromisso de que seriam contempladas em futuros avisos de abertura de concursos, o que infelizmente não sucedeu.

Finalmente, também fazemos notar que as preocupações assinadas sobre a subárea identificada pela designação História e Filosofia da Ciência e Tecnologia são extensíveis à própria definição da área científica. Reunindo Filosofia, Ética e Religião, tanto engloba um domínio redundante (sendo a Ética uma subárea da Filosofia, é redundante a sua menção na designação da área científica) como domínios científicos que ostentam entre si pouca ou nenhuma proximidade epistemológica. O domínio de estudo da Religião, com as suas naturais subáreas dos Estudos da Religião e de Teologia, não partilha, nem do ponto de vista do objeto de estudo, nem dos métodos de investigação, pressupostos mais comuns com a Filosofia do que com outros domínios científicos no amplo campo das Ciências Sociais e Humanas. Por exemplo, investigação em antropologia da religião ou em sociologia da religião cabe com toda a propriedade dentro da subárea dos Estudos da Religião e, no entanto, terão muito maior afinidade epistemológica com a Antropologia ou a Sociologia do que com a Filosofia.

A Sociedade Portuguesa de Filosofia fica à disposição da FCT para colaborar em todas as iniciativas que considerem adequadas para encontrar as melhores soluções para reparar esta situação tão negativa e dececionante.

Com os nossos melhores cumprimentos,

Direção da SPF

André Barata (U. Beira Interior) - Presidente

António Correia Lopes (CFUL – U. Lisboa)

Célia Teixeira (U. F. Rio de Janeiro)

Manuela Alves (E. S. Restelo)

Nuno Venturinha (U. Nova Lisboa)

 

Conselho Científico da SPF

Álvaro Balsas (U. Católica – Braga)

André Barata (U. Beira Interior)

Diogo Ferrer (U. Coimbra)

Irene Borges Duarte (U. Évora)

João Cardoso Rosas (U. Minho)

João Constâncio (U. Nova Lisboa)

José Meirinhos (U. Porto)

Magda Costa Carvalho (U. Açores)

Ricardo Santos (U. Lisboa)

Sofia Miguens (U. Porto)

Viriato Soromenho Marques (U. Lisboa)

 

Carta enviada por email a 17.12.2021


Publicado/editado: 22/12/2021